Entrevista Raquel Canale

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Para abrir a entrevista nada melhor que as filmagens da Raquel Canale sobrevoando as mágicas montanhas, não é mesmo?

Quem conhece essa mulher sabe disto! Tem 31 anos, é consultora ambiental e ingressou no curso da Vento Norte em setembro de 2014. Nascida na cidadezinha do interior do Paraná, Palotina, veio para a capital paranaense ao 18 anos, em busca de algo que não sabia bem ao certo o que seria, mas que com certeza viraria a razão dos seus sonhos, não apenas para criar uma história, mas sim a filosofia de sua vida. 

Meio perdida na cidade grande e sem muitos amigos, entre trancos e barrancos, estudos, trabalho, independência, educação financeira, responsabilidades e cobranças, tudo isso acabou deixando um pouco de lado a menina alegre, que tinha sonhos de crescer e de conquistar o mundo. Ela pensou: “Mas espera aí, alguma coisa está errada…está faltando algo, não foi para isso que vim pra cá.”  E foi quando seu primo à convidou para subir um morro na Serra da Mar, o morro do Canal que encontrou uma das coisas que estava procurando para a sua vida.  “Caramba, que legal… parecia tão bobo, mas para quem veio de onde se quer tinha um barranco, foi uma superação. Lembro de quando criança, nas viagens de férias, ficar olhando aquelas montanhas, que pareciam gigantes, cheias de árvores em formato de brócolis, e agora eu estava “conquistando” uma, era simplesmente fantástico. Agora sim, aquele sentimento que estava escondido lá no fundo, estava renascendo de novo. A partir daí, não parei mais.”

A primeira montanha de verdade, e não morro, foi a Torre da Prata, subida mais pesada e exigente, em torno de 1500 mts de desnível, com uma cargueira na costa, e o sorriso no rosto…era isso que faltava. Dali estava brotando a primeira paixão.

Depois vieram várias montanhas da Serra do Ibitiraquire, Serra do Marumbi, Serra da Mantiqueira, que para minha foi a travessia mais bela que fiz até hoje, entre outras montanhas que não cabe aqui listar. Além de trekking pelas montanhas a fora, também descobri a escalada em rocha, outra modalidade de montanhismo que se exige muita garra, dedicação, cabeça e paixão. Também já me arrisquei em algumas Alta Montanha, como o Licancabur, Juriques e Chacaltaya entre Bolívia e Chile e algumas no Cordón del Plata na Argentina. Como podem ver, realmente foi uma paixão ao primeiro trekking. rsrs

Pois bem, entre uma montanha e outra, paisagens de tirar o fôlego, se constrói além de grandes histórias, grandes amizades, algumas passageira, outras que perduram até hoje.

Em que momento decidiu praticar o voo livre e como ele entrou em sua vida?

Numa dessas histórias de amizade, surgiu o voo livre. Mas foi lá do alto da montanha, pra ser mais precisa do Morro Araçatuba, naquele momento de paz e silêncio que só a natureza pode nos dar, que pude ouvir aquele assobio do vento passando pelo perfil daquele velame, um som tão agradável aos ouvidos, mas uma imagem muito mais agradável aos olhos. Um lift tranquilo e suave de pôr do sol me despertava uma nova paixão. Aqui começa minha trajetória no Voo Livre.

O medo faz parte de nossas vidas, às vezes como aliado e às vezes como inimigo, como você aprendeu a equilibrar esse importante sentimento?

Para mim o medo sempre serviu como aliado. Desde a escalada ele me acompanha. Muitas vezes, me aterrorizava ao chegar no “Crux” de uma via (parte mais difícil) e não ser capaz de vencê-lá. Digo sem vergonha, que já cheguei a chorar no meio daquela parede, travada sem coragem de continuar e nem voltar. Mas assim como na vida, como lá nos meus 18 anos, aprendi a encarar, superar e usar o medo como meu aliado. Ele nos ensina que na vida sempre terão dificuldades, mas que sem elas, nada teria graça, nada teria valor. Para mim, o maior prazer da vida, é você poder olhar aquele “Crux” e se orgulhar de ter tido a coragem suficiente para enfrentá-lo e superá-lo. Assim, levo para o voo livre. Todas às vezes que piso na rampa, sem exceção, me vem aquele frio na barriga, aquela insegurança do incerto que nos aguarda, do que a mãe natureza está preparando para nós, da inexperiência. Aquele frio na barriga que impulsiona, que alimenta e dá coragem, mas que ao mesmo tempo ti segura, freia e faz você dar um passo para trás. Nem sempre temos o controle de tudo sobre as mãos, e esse medo serve justamente para pôr seus pés no chão no momento em que gostaria de estar no ar.  Esse é o equilíbrio…razão, medo e emoção caminhando juntos, cada um na sua medida, na dose certa para decolar e pousar com segurança, pois o resto, o resto é o suprassumo do voo, é a cereja do bolo!

Como você descreveria o que o voo significa em sua vida?

Mais que um esporte, mais que uma opção, mais que um hobby. Para muitos que não vivem o voo, e estiverem lendo isso, pode parecer piegas, mas para mim o voo virou aquela filosofia de vida que buscava e que comentei lá no início. Não simplesmente pelo fato de voar, mas sim pelo o que o voo pode proporcionar a sua vida. Construí no voo mais que uma história, uma família. Amigos que hoje me dão o imenso prazer de suas companhias, que quando mesmo num dia nublado e chuvoso, eles estão lá, nem que seja só para dar umas risadas e jogar um papo fora. Esses amigos, essa união, não encontrei nem mesmo no montanhismo, e por isso tenho orgulho de falar que os considero como minha segunda família. Junto com todas essas história que o voo vem me ajudando a construir, também conheci o maior parceiro da minha vida. Mais que um companheiro, mas um compartilhador dos mesmos sonhos, dos mesmos ideais, da mesma filosofia de vida, alguém que me apoia, me impulsiona e me incentiva. E graças ao voo, hoje posso dizer que entre alegrias e dificuldades, que estamos construindo uma história juntos.

Pode considerar que o voo livre mudou sua maneira de encarar algumas situações, sejam elas profissionais, espirituais, sociais e outros, ou que mudou sua vida?

Não diria que mudou, mas não apenas o Voo Livre, e muito também do Montanhismo, desabrochou e fortaleceu aquele algo a mais que procurava dentro de mim, e que ainda continuo a desvendar. Afinal, tenho muito a construir e aprender ainda.

Dos lugares que voou, conta um pouquinho para nós a sua história e as rampas:

O melhor voo: Não diria o melhor voo, mas talvez um voo que vai para meu caderninho de histórias. Pois bem, depois de me recuperar de um acidente no pouso, em um treino solo, que me rendeu a T12 fraturada, voltei ao voo com mais garra e vontade de me superar a cada dia mais. Como minha primeira paixão foi o montanhismo, nada melhor que vincular montanha e voo, para mim, o melhor dos estilos, o Hike’n Fly, subir andando e descer voando. Então num belo dia eu, meu namorado e mais dois amigos resolvemos subir a Pedra da Mina, a quarta montanha mais alta do Brasil, com 2798 metros de altitude, que fica na Serra da Mantiqueira. Começamos a empreitada na sexta-feira pela manhã no aeroporto de Ctba até SP, onde encontramos nossos amigos, e seguimos de carro até Passa Quatro – MG, dando início a trilha a meia noite daquela sexta-feira. Paramos para um cochilo no meio da trilha e chegamos ao cume por volta das 11:00 hs da manhã. Para nossa decepção, o vento que era previsto na casa dos 8km estava em torno de 80km. Sentamos e esperamos, o vento deu “uma baixada”, mas não o suficiente para que nos levasse em segurança até o pouso. Ok, então vamos descer. Isso não estava previsto. Já muito cansados, temperatura caindo, com pouca água e alimento, era o que nos restava. Chegamos a base da fazenda as 23 horas do sábado. Procuramos um hotel, e ali despejamos nossos corpos exaustos. Dia seguinte, tristes por não ter rolado o Fly, mas felizes pelo Hike que sempre nos proporciona exuberantes paisagens, resolvemos tentar um voo em alguma rampa local. Afinal, só voa quem está na rampa, rsrs. Dessa vez o destino foi uma fazenda particular em São Lourenço. Conseguimos contato com os pilotos locais, e partiu fazer o que viemos fazer, voar. Depois de 5 meses sem voar, consegui enroscar naquelas térmicas salão deliciosas, botar base, entubar e pousar do outro lado da cordilheira num pequeno aeroporto local (com consentimento dos pilotos locais). Para mim considero como um dos melhores voos por toda sua trajetória, desde a jornada lá de Ctba, ao ataque a Pedra da Mina e ao meu retorno ao voo, que para mim, com glória. P.S. Espero um dia poder concretizar esse voo.

A melhor paisagem: Tenho orgulho em dizer que nosso quintal, nossa Serra do Mar é uma das mais belas do nosso País, ainda mais quando vista de cima. No dia 21 de novembro de 2016 tive a honra de fazer uma das travessia mais lindas, no melhor dos estilos de voo, o Hike’n Fly. Travessia morro Anhangava, Quatro Barras, a Morretes, região litorânea do Paraná. Confira esse voo aqui. Essa travessia permite você contemplar nossa bela Serra da Baitaca e Serra do Marumbi, o que para um montanhista, é uma proeza impressionante, sem igual. Melhor que isso, ainda ganhei o mérito de ser a primeira mulher a realizar tal faça. Não digo mérito apenas pelo voo, mas todo o conjunto de subir a montanha com o parapentes nas costas, se agarrar naquela única térmica que ti levaria a base, e depois a 20 km dali, do outro lado da Serra do Mar.

A Relax: Um voo invernal de congelar os dedos, na montanha onde nasceu minha vontade de voar. Morro Araçatuba. Um voo liso e tranquilo como uma brisa gelada que bate no seu rosto. Um sonho idealizado e realizado. Uma sensação de tranquilidade e dever cumprido.  

A mais arriscada: Um feriado de 7 de setembro de 2017 com condições fortíssimas na Ilha do Ar, em Sto Antônio da Alegria. Lugar mágico, que merece com certeza, uma segunda, terceira, quarta barca, mas que naquela data, me fez querer pousar.

A sua favorita: Todas, cada uma com suas peculiaridades, com seus desafios, ensinamentos e aprendizagens. Mas tenho Andradas, como uma das favoritas, tenho um carinho especial pela rampa do Pico do Gavião. Foi lá que fiz minha primeira tirada sozinha, minha iniciação e gosto pela modalidade Cross Country.  

A melhor viagem: Cada barca, é uma viagem incrível, mas tenhos duas em particular que mais gostei, a Trip de Carnaval pelo Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com base principal em Sapiranga e a Trip para Andradas. Foram dias incríveis, com pessoas incriveis, voos incriveis. Inesquecível.

O que você considera ser a maior dificuldade no voo?

Lidar com os medos, e anseios, mas principalmente entender a característica de cada rampa, seu microclima, sua condição peculiar, enfim, conseguir “ler” e ver o que não é perceptível aos olhos. Muitas vezes fico observando os pilotos mais experientes, e fico fascinada de como alguns deles têm essa percepção mais aguçada. Espero um dia conseguir ter esse feeling.

Deixaria alguma orientação para pilotos a fim de aumentar a segurança em voo?

Diria que o maior aliado nesse nosso esporte, é a cabeça, é ela que vai ti dar discernimento do certo e o errado, do que fazer ou deixar de fazer. Por isso esteja sempre de bem com você mesmo, respeite seu tempo, estude muito,treine, saiba ouvir e equilibrar a emoção com a razão. Nunca esqueça que se hoje não deu voo, certamente amanhã dará.

Que dica você diria para aqueles que estão começando no voo livre ou que pretendem iniciar no esporte?

Pense duas vezes antes de iniciar, porque você vai entrar num mundo que não tem volta…é sério rsrs. Suas prioridades irão mudar, sua rotina nunca mais será a mesma, quando você menos perceber vai fazer economias que nunca imaginaria conseguir, para então comprar aquele equipamento dos sonhos. Você terá novos valores e vai querer viver em cada rampa um novo sonho e uma nova história. É simplesmente viciante.

Caso ainda resolva entrar nesse mundo, entre de cabeça, estude, treine e se dedique. Como diria meu grande amigo e instrutor “quanto mais eu treino, mais sorte eu tenho”. Depois, é só viver e curtir tudo de melhor que o voo pode nos proporcionar.

Uma das fotos favoritas da galera Vento Norte. Raquel Canale voando em Ribeirão Claro no ocultar do sol e vinda do luar.

E por fim, ainda vivemos em um mundo que a mulher sofre repressão, violência, abusos, assédios, preconceitos, desigualdades e tantas outras mazelas mundiais que limitam o caminhada da mulher no mais simples do cotidiano ao mais complexo da jornada. O que você diria para essas mulheres alçarem seus voos rumo ao empoderamento, autonomia e justiça?

Acredito que muitas das mulheres que decidiram entrar no Voo Livre já são donas de muitas conquistas. Graças a Deus até hoje não sofri nenhum preconceito ou desigualdade, não diretamente pelo menos, pelo contrário, sempre tive muito incentivo, apoio e elogios, o que faz minha determinação em continuar alcançando meus objetivos, só aumentar. Mas de qualquer forma, diria para qualquer outra mulher não se intimidar pelo conceito “sexo frágil”, pois creio que muitas de nós já mostramos para que viemos, que temos uma força e determinação inimaginável, capaz de nos levar onde queremos. Nos dias de hoje, injustiça e violência está para todos, cada ação individual afeta todos os seres do planeta de certa forma, o que nos cabe, é agir de forma honesta e honrosa, só assim pode se alcançar o respeito e a igualdade, independente do sexo, classe ou religião.

Se quiser deixar um depoimento para a Vento Norte, pilotos e alunos sinta-se à vontade!

A Vento Norte Paraglider só tenho a agradecer. Em especial ao instrutor, amigo e orientador Marcio Lichtnow que sempre teve a paciência e dedicação em contribuir com todo seu ensinamento. Graças a essa, diria Família, hoje posso desfrutar dos melhores momentos da minha vida. Com certeza, a Vento Norte ensina você aproveitar muito mais seu presente e inspirar o seu futuro. A essa família, meus sinceros agradecimento e carinho.

Raquel agradecemos todo carinho, respeito e amizade. Gratos por ter nos escolhido como escola e família. Que lindos voos em terra, céu e mar te acompanhem nas trilhas da vida! Que sua estrela continue a brilhar e que muitas aventuras, conquistas e sucesso façam parte da trajetória de vocês casal!

A trilha sonora escolhida pela Raquel é Led Zeppelin – Stairway To Heaven, nossa dica é que você confira os canais da Raquel no You Tube e também o instagram.

2 COMENTÁRIOS

  1. Que legal Kell! Tenho uma pontinha de orgulho em saber que caminhei ao seu lado em algumas das suas conquistas! E temos muitas ainda pela frente hein!!!

    🙂

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