Uma interpretação do mito grego

A história completa de Dédalo e Ícaro, da mitologia grega.

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omito de Dédalo & Ícaro inspira diversos setores da sociedade ao longo dos anos, desde artes, quadros, esculturas, música, nomes e marcas de empreendimentos e eventos esportivos, como a Coupe Icare.

Pai (Dédalo) e filho (Ícaro) representam tanto as limitações e fraquezas, quanto a capacidade criativa e sonhos do ser humano. Enquanto jovens (Ícaro), temos grandes sonhos e projetos em mente, buscamos realizar algo extraordinário e que alimente a liberdade de nossa alma. Tentamos superar todos os obstáculos, porém quando perdemos o bom senso, se somos imprudentes e vaidosos em nossas ações podemos alterar todo o curso de nossas vidas, assim como o pai e o filho representados no mito grego. Aquele velho ditado: “Passarinho que esta aprendendo a voar entende mais de coragem do que de voo.” Mas neste conto, Ícaro não sabia disto.

Dédalo, no primeiro momento, em virtude de seus talentos excepcionais, representa os caprichos de uma mente inflada pelo ego e pela vaidade, que logo dão a vez para a inveja, que aprisiona seu espírito criativo. No segundo momento, a punição por seus caprichos extremado foi construir sonhos que não eram os seus, e criou o labirinto para a própria alma, vivendo em uma situação que não atendia o anseio de uma alma livre e feliz, apesar dos aplausos e reconhecimentos.

Dédalo, no terceiro ato, muito mais maduro e sábio, se liberta da situação opressora (ego, vaidade e inveja que carregava dentro da alma) e volta a ser criativo, ciente de que a arte é a essência do criador e sua mais ousada criação – as ASAS – permitiu que ele e o filho escapassem da prisão/labirinto que foram presos.

Ícaro, jovem, representa a ambiguidade da descoberta inocente, que o leva a ser imprudente e negligente pelo deslumbramento, pensou que era tão poderoso quanto um Deus, não reconheceu os limites, nem mesmo os percebeu, é a falta do autoconhecimento. Realiza algo extraordinário, mas rompe os limites do criador e ignora os conselhos. Voa sem refletir, motivado pela sensação da liberdade. No mito, Icaro, se quer sentiu a dor fatal, pois estava asfixiado pela liberdade saciada (Simbologia: Ícaro caiu no mar, morrendo afogado). Por sua vez, o pai (Dédalo) muito sábio pela experiência, realiza um voo perfeito, representando o amadurecimento do ser humano.

Neste profundo mito:

Dédalo (pai) é a a mente criativa, mas também é o labirinto, a confusão, a complicação humana de lidar com sentimento baixos que envenenam a vida, ao mesmo tempo que ele evolui, e representa a redenção, o amadurecimento muito tardio, e portanto também representa a dor.

Ícaro (filho) é a inocência abraçada na liberdade sonhadora, as ambições demasiadas elevadas que o levam para o resultado desastrosamente trágico.

Alguns dicionários a palavra Ícaro poderá ser encontrada como funesto, para qualificar algo que é mortal ou que provoca a morte, relacionado com aquilo que pode provocar aflição ou amargura e que provoque tristeza.

“Os sonhos alimentam a alma; é a ausência do respeito aos limites que alimentam os fracassos e erros.”

CONHECENDO O MITO GREGO

Em Atenas, Dédalo era um artesão e engenheiro famoso. Todos conheciam a sua arte e sua fama ultrapassava a Grécia. Os mais poderosos reis queriam adquirir as suas esculturas ou viver nos majestosos palácios que ele construía.

Com tantas encomendas Dédalo já não conseguia atender todos os pedidos, para aliviar a sobrecarga decidiu ter um aprendiz em sua oficina, o seu sobrinho Talo. Ensinou ao jovem todos os segredos da arte da cerâmica, da arquitetura e da escultura. Talo se mostrou um excelente aprendiz e um genial artista, com sua criatividade inventou o torno de oleiro. Dédalo sentiu uma profunda inveja por não ter sido o criador do invento. A cada dia Talo inventava algo. Certa vez, ao ver os dentes pontiagudos de uma serpente, inventou o serrote. Passado algum tempo inventou o compasso e outros inventos para a produção de armas, tijolos e vestimentas dos atenienses.

Quanto mais Talo mostrava sua criatividade, mais Dédalo invejava. Talo começou a adquirir muita fama em Atenas, conquistando os antigos admiradores e clientes de Dédalo, que aos poucos foi perdendo a genialidade criativa e a inveja tirava sua inspiração. Os trabalhos de Talo passaram a ser preferidos. Dédalo muito ofendido decidiu eliminar o sobrinho e dissimulando suas intenções o convidou para um passeio ao templo de Atenas, localizado no alto de um penhasco. Talo caminhou inocentemente com o tio e quando passaram pelas muralhas Dédalo empurrou Talo ao precipício.

Dédalo recolheu corpo de Talo em um saco e quando retornava para a oficina foi surpreendido com o saco sujo de sangue. Muito nervoso disse ser de uma serpente que matara, mas o nervosismo fez com que as pessoas desconfiassem daquela versão. Continuou o caminho sem perceber que os curiosos sorrateiramente seguiam seus passos. Em um terreno vazio, Dédalo depositou o cadáver do sobrinho. Do alto do Olimpo, Atenas – a Deusa da Sabedoria – o assistia e transformou a alma de Talo numa perdiz. Denunciado, Dédalo foi conduzido ao cárcere, enquanto a perdiz sobrevoava o tribunal assistindo a justiça feita.

liberdade criadora perdida

Alguns dias após a condenação Dédalo fugiu e foi para Creta, onde já tinha fama de artesão, escultor, inventor e engenheiro.

Minos, rei de Creta, soube da presença do artista recebeu-o com honras de Estado e colocou-o sob sua proteção, mas exigiu que trabalhasse apenas para ele. Dédalo por sua vez perdeu sua liberdade criadora mais uma vez, pois ficou restrita aos desejos e caprichos do monarca.

Certa vez, a bela rainha Pasífae, esposa do Rei, tendo se apaixonado por um touro, pediu a Dédalo que criasse uma armadura no formato de uma novilha que lhe permitisse atrair o touro. Dédalo esculpiu uma novilha em madeira e desse amor incomum da rainha e o touro nasceu o Minotauro, uma criatura com corpo de homem e cabeça de touro. Para esconder a vergonha da traição da mulher, Minos ordenou a Dédalo que construísse uma prisão para o monstro, um lugar de onde ele jamais pudesse sair. Dédalo construiu um labirinto com becos e caminhos sinuosos. O labirinto se tornou a maior criação arquitetônica de todo o Mediterrâneo, gerando inquietação de outros reinos, por todos os séculos.

obra de maestro dei cassoni campana
O famoso labirinto.

O Labirinto. Onde os mitos Dédalo e Ícaro se encontram com os mitos de Teseu e Minotauro.

Aprisionado o Minotauro se revelou uma violenta fera e que exigia ser alimentado com carne humana. Minos que havia conquistado o rei de Atenas, exigia do rei Egeu sete rapazes e sete moças para serem sacrificados. Teseu, o filho do Rei de Atenas revoltado com maléfica exigência se misturou aos jovens que seriam enviado para Creta e lá chegando seduziu a bela princesa Ariadne, filha de Minos e com sua ajuda penetrou no labirinto levando um novelo de lã que foi desenrolado desde a porta. Venceu o Minotauro, saiu do labirinto, onde a jovem Ariadne o esperava e apaixonados fugiram, levando o irmão como refém, que esquartejaram-no durante a perseguição do rei, ganhando tempo para a fuga enquanto o Rei Minos recolhia os pedaços do filho no mar. (pois é, por isso a expressão uma tragédia grega)

O rei desolado culpou Dédalo por toda a tragédia e como castigo encarcerou o arquiteto e seu filho Ícaro no labirinto, como prisão perpétua, e assim o criador ironicamente fica prisioneiro de sua maior criação.

Para não morrer de fome Dédalo alimentava a si e ao filho com as plantas que nasciam às margens dos rios que ali fizera correr as águas. Melancolicamente olhava para o céu que se erguia infinito sob a sua cabeça. Era o único caminho libertário dentro do Labirinto.

Então lhe surgiu a ideia de liberdade, construiria asas para que voasse até o céu e por ali escapasse. Para executar o projeto passou a colher todas as penas que caíam do céu, quando as aves sobrevoavam o Labirinto. Ao lado de Ícaro, colheu pacientemente cada pena, colecionando-as conforme o tamanho. Com o tempo, juntaram uma grande quantia, amarrando-as todas com fios de linho, espalhando nelas uma densa camada de cera, ligando-as com segurança.

Após um longo preparo, Dédalo terminou o seu mais audacioso projeto, quatro asas. Com tiras de couro, o artista prendeu duas delas ao corpo de Ícaro, fazendo o mesmo com as outras duas em si próprio. Com paciência, o pai ensaiou com o filho como iriam utilizar as asas. Por fim, estavam prontos para o voo da liberdade. Movidos de coragem, os dois saltaram para o infinito.

No céu, pai e filho lutam para encontrar o equilíbrio dos corpos, que tremem ao vento. Aos poucos, vão dominando o voo, como se fossem pássaros velozes. Preocupado com o filho, vendo-o extasiado e desconcentrado na técnica de voar, Dédalo previne insistentemente que voe mantendo uma altitude média, não muito baixa para não mergulhar as asas no mar, e não muito alta para que o sol não queime as penas e derreta a cera.

O voo corre quase perfeito pelos céus da Grécia. Dédalo segue na frente, a indicar o caminho para o filho. Um pouco atrás, Ícaro deslumbrado com a beleza do céu, da infinita de liberdade, se sente um pássaro indomável, seduzido pela capacidade de voar, mesmo seu pai assustado e o alertando sobre o perigo de sua ousadia, ele sobe cada vez mais alto até que se aproxima demasiadamente do sol. Os raios, cada vez mais quentes amolecem a cera que ligava as penas umas às outras. As asas começam a se desfazer, caindo uma a uma, Ícaro pressente o corpo cair, precipitando-se nas profundezas do mar.

Dédalo e Ícaro sobre a Grécia.

Cada pena que compunha as asas do jovem é transformada em uma ilha, formando o arquipélago das Icárias.  Ao olhar para trás, Dédalo não encontra o filho. Olha para as águas do mar, podendo ainda avistar os restantes de asas brancas que flutuam perdidas, transformando-se, aos poucos em ilhas. O filho se  afogara no sonho eterno do homem querer voar como as aves.

Ícaro deixa-se deslumbrar pela beleza do céu, pela infinita liberdade e pelo voo indomável.

Dédalo sobrevoou aflito a região onde o filho caíra, procurando com desespero por seu cadáver. Horas depois, ele desceu, ao avistar o corpo sem vida de Ícaro. O infeliz pai toma o filho nos braços, caminhando entre os arbustos, procurando um lugar onde possa sepultá-lo. Por onde passa, desperta a comoção do povo da ilha.
Trazendo Ícaro nos braços, Dédalo percebe no céu, uma perdiz a pairar sobre a sua cabeça. Era Talo, o sobrinho assassinado por ele por inveja, a pairar no ar, acentuando a tragédia do seu assassino, numa anunciada vingança. Dédalo amaldiçoa a perdiz.

Partindo em um barco pelo mar, Dédalo aportou na Sicília. Mesmo sendo recebido com honras pelo rei daquele local, a alma de Dédalo vestia um luto perene e nada estimulava mais a sua alma, não sentia nenhuma inveja como no passado. Apesar disso, criava o que lhe instruíam, mas não se importava com os aplausos. Tornou-se um protegido do reino, e um dia Minos aportou na Trinácria a procura de Dédalo. A fim de proteger Dédalo, o rei Cócalo fingiu receber com honras o rei Minos, o convidou para um banho quente e um banquete, afim de repousar da viagem. Minos entrou na banheira, sentiu a água morna e fechou os olhos e de repente a água começou a esquentar e ferver e apesar dos gritos de Minos, ninguém veio a socorrê-lo. O Soberano de Creta morreu sufocado pelos vapores quentes, deixando Dédalo livre e seguro, porém já não tinha mais sentido a sua sonhada liberdade. Perdeu demais.

Dédalo seguiu solitário ensinando sua arte a muitos e muitos aprendizes.

Muito velho vê a hora da morte chegar. Agonizando no leito do quarto, recebe os discípulos, que lhe apertam a mão um a um. Ao fim da tarde, o genial artista tomba o rosto. Sua alma segue o infinito sem que lhe seja preciso outras asas.

O sonho de voar não morreu nem com Ícaro, nem com seu criador Dédalo, pelo contrário, ela inspirou muitas e muitas criações até hoje, de Leonardo Da Vinci à Santos Dumont, de Capacetes de Voo Icarus à música do Iron Maiden, aos megas eventos mundiais. Que a mitologia grega nos inspire a voar, em nossa alma e fora dela.