Mauricio Braga, também conhecido pelo apelido de Gatinho, iniciou no esporte no ano de 2002, sendo um dos pioneiros da acrobacia no Brasil, com experiência internacional como Juiz Oficial Acro, da FAI, atuou por alguns anos na Europa, durante o Circuito Mundial de Acro, tornou-se um profundo conhecedor do comportamento do parapente, e no decorrer dos seus 15 anos de experiência no esporte, é um dos poucos instrutores do curso de SIV – Simulações de Acidentes em Voo, no Brasil.

Vento Norte: Como e quando tudo começou, em que momento decidiu voar de parapente?

Mauricio: Foi uma loucura. Um dia meu pai entrou na sala de casa, com um instrutor de voo livre, comunicando que iria voar. Na minha infância já havia visto um piloto voar de asa delta no “topo do mundo”, lá em Belo Horizonte – MG, porém tudo aquilo era inatingível, até meu pai se propor a começar a fazer uma coisa que ele nem tinha noção do que seria. Eu praticava escalada, esporte outdoor, conhecia os riscos naturais, como vento e tempestades, e naturalmente fiquei preocupado, decidi tomar conta do meu pai, meu coroa, na verdade, o “Véio”, hoje o apelido dele. Iniciamos o curso praticamente juntos, mas o que tinha medo aconteceu, um acidente no morrinho. Fiquei temeroso com relação a ele, me afastei, e mesmo assim ele não arredou o pé, um dia cheguei e disse: “Pai, parapente não tem cabelo para se segurar, ou seja, quando cai, cai de vez.” Ele disse: “Acho que você esta mal informado, precisa participar de uma aula teórica.” Aí, foi o meu erro, ou sei lá, sorte. Fui fazer a tal aula e quando cheguei estava passando alguns vídeos, onde o pessoal fazia o parapente fechar e algumas acrobacias. Logo pensei: Uhm, isso poderia ser legal. Sempre gostei de ter controle sobre as coisas, isso é uma necessidade, é legal entender. E foi o que me atraiu; giros, looping e tudo que dava movimento ao parapente. Depois descobri outras coisas, e escalar não acabou, agora ao invés de escalar montanhas, eu escalo nuvens.

Vento Norte: Quando resolveu ingressar nas acrobacias e SIV de parapente?

Mauricio: Desde o começo sempre busquei o desafio de saber o que estava acontecendo, pois não queria me machucar. Com alguns voos descobri que o parapente não é uma coisa que seja rápido, na verdade. O voar reto não é radical, proporciona muita emoção e contemplação, não que se deslocar por longos quilômetros seja chato, muito pelo contrário, é muito legal e faz parte de uma arte, a arte dos pássaros, que se mantém no ar pelo simples fato de serem pássaros, e que o diga o nosso Dream Team, Bigode, Cecéu, Saladini, Frank e o Samuka -, mas a acrobacia para mim é muito mais dinâmica, leva o piloto para um novo conceito de voo, e foi em um SIV que pude medir meu interesse, minha habilidade e a minha satisfação de estar fazendo esta doideira, que é gira pra cá*, cai pra lá*, etc.
Gira para cá, cai para lá é uma expressão que refere-se as manobras executadas pelos pilotos de parapente na acrobacia.

Vento Norte: Você fez parte do desenvolvimento acro/SIV no Brasil, pode contar um pouquinho para nós?

Mauricio: Sim, fiz parte do desenvolvimento da acro/SIV, porém o início foi em 1997, com o Harry Buntz e o Urhs, pilotos que vinham da Alemanha, ministrar os cursos por aqui, e logo após veio a evolução com David Eyraud, piloto francês, um dos idealizadores das competições de acrobacia na Europa. Com a questão consolidada, vieram os primeiros instrutores de SIV brasileiros, como: Mingo, Marquinhos e o Sivuca.

Para mim tudo começou em 2002, uma trajetória rápida, pois estava disposto a aprender a voar, e em menos de um ano já tinha feito o meu primeiro SIV, com o Sivuca, depois uma passada pelo EUA, onde me machuquei e tive que dar um tempo.

A busca continuava, sabia que participando de competições iria conhecer o caminho. Conheci no pré-mundial – 2004, em Governador Valadares, Fabio Fava e o Thomas Brauner (piloto de teste da Macpara), que realmente me explicaram o mundo da acrobacia. Também tive a oportunidade de participar de um curso para juiz de competição Acro, que iria acontecer na Argentina, e lá realizei um SIV com Pablo Lopez e o primeiro curso de instrutor, que me ensinou a dar aula. As portas se abriram para o universo da acrobacia, todas as informações que eu precisava estavam sendo proporcionadas naturalmente, conhecendo e convivendo com grandes pilotos do mundo acrobático, durante 7 anos participei de todos os eventos, no final competindo e não julgando, isso acabou me aproximando de pessoas que tinham interesse em organizar eventos no Brasil.

O primeiro evento no Brasil foi o Acrovix, uma mistura de competição e acroshow, realizado pelo piloto Frank Brown. Existia, por outro lado um movimento muito grande em São Paulo, de SIV. O Kurt, que no início estava junto com o Sivuca, fez parceria com Alex, montaram a piloto SAFO, com o propósito de difundir a modalidade, isso fez com que uma necessidade de montar uma verdadeira competição existisse, assim foi montado a primeira competição brasileira de acrobacia, na época respaldada pela ABP.

O Brasil era muito bem representado nas competições, na Europa. Fábio Fava e os Renatinhos (Sol Tribal Acro). Foram 4 anos de bons momentos para a acrobacia. O último evento realizado no Brasil, feito em 3 etapas, participei competindo e ajudando na operacionalização com barco, etc. Um grande evento, como organizador e piloto, e consegui ser vice-campeão brasileiro de acro.

Houve um aumento no número dos acidentes, pouco investimento e exposição na mídia, a modalidade no esporte foi diminuindo. Perdemos amigos e excelentes pilotos, alguns deixaram de praticar, porque não havia perspectiva acro no futuro. Deixo aqui meu respeito à todos eles.

Os cursos de SIV mudaram o formato, o objetivo e os treinos passaram ser realizados em viagens para a Europa, o custo era menor e o processo de aprendizado era mais efetivo.
Atualmente vemos existe um reestabelecimento do interesse de adeptos a acrobacia, mas muito tímido ainda, se relacionarmos com o melhor momento que vivemos há tempos atrás. Apesar das dificuldades, o movimento não morreu.

Ah, foi depois do SIV com o Pablo Lopez que comprei meu barco, para praticar, iniciando também minha jornada como instrutor, um longo caminho, e hoje agradeço a cada um que por ele passou.

Vento Norte: Dos lugares que voou, poderia citar a rampa, cidade e estado, conforme as características e contar um pouquinho para nós sobre esses lugares?

O melhor voo: Foi um voo duplo que fiz em Castelo – ES. A passageira era uma senhora de 70 e poucos anos, cujo o sonho era voar. Uma pessoa muito humilde e simples, que nasceu e morou a vida toda na cidade, nunca viajou de avião. O voo foi uma explosão de energia boa, que desde o começo, quando ganhamos altura e chegamos a 2.300 metros – o visual se amplia e tudo passa ser descoberto de outras formas -, narrando cada passo do voo e descrevendo os lugares, que já estavam ficando pequenos, a senhora juntou cada pedaço da sua história e vida no ar. Com sustentação, passamos por alguns pontos de sua importância e em um dado momento ela faz um comentário: Meu filho, obrigado por me levar, este momento é o mais maravilhoso. Agora eu posso partir em paz, pois me sinto feliz por completa. Isso mexeu muito comigo e tenho este voo sempre nas minhas recordações, foi o momento que realmente descobri como o voo pode mudar e completar a vida de uma pessoa.

A melhor paisagem: Esta é a mais difícil de responder, pois seria injusto com todos os lugares que já visitei. Vou citar algumas: no exterior Oludeniz – Turquia, Iquique – Chile, Annecy – França, Chamonix – França, Castellicio – Italia. No Brasil: Castelo, Pancas, Ninho das Aguias, Alfredo Chaves …

A mais arriscada: Sem dúvida o meu primeiro voo, quando decolei pensei: agora você precisa pousar este trêm!

A sua favorita: Acho que a próxima aventura ou o próximo voo. O voo me deu muitas alegrias, todos fazem parte de uma linda história, não posso dizer que teve melhor. Acho que tudo foi ao seu tempo.
Vento Norte: De todas as suas aventuras no esporte, tem:

Alguma muito engraçada: Quando fiquei preso sem visto, entre dois países, Sérvia e Bulgária. Foi muito engraçado, a pessoa da imigração falava russo ou espanhol, e eu com meu portunhol, quase fui mandado de volta para o Brasil.

Algum incidente: Incidentes vários, inclusive dá para imaginar pelo número de reservas, 29, mas acidente, um único e que me ensinou demais. Fazer wingover em baixa altura, bati na montanha. Me mostrou que o chão é duro e não somos bola para ficar quicando.

Alguma experiência local, seja com alguma comunidade ou encontro com algum bicho que seja memorável: Voar vestido de Papai Noel, é sempre muito legal, porque podemos cativar ainda o coração das crianças. Sempre que sou convidado, eu faço o possível para participar.

Um pouso muito, muito roubada?
Já tive alguns, de lançar reserva, porém o mais roubada foi de XC, entre Castelo e Cachoeiro de Itapemirim. Sem dinheiro, sem água, sem nada. Passei 4 horas procurando um ponto de ônibus, quando achei um vilarejo perguntei para o pessoal o local do ônibus, só existia um por dia e ele já tinha saído. Com muita espera consegui uma carona em uma viatura de policia. Rs. Pensa na roubada, chegar no hotel em uma viatura policial.

Vento Norte: O que você considera ser a maior dificuldade no esporte?

Mauricio: O voo requer muita dedicação e estudo, acho que tem pessoas que não estão acostumados com isso. Tudo no Brasil é complicado de fazer, e no voo não é diferente. Buscar informação e aprender de maneira correta é difícil, tem muita gente que não presta a devida atenção na sua formação. Tirar o pé do chão não é muito difícil, mas fazer bons e seguros voos requer atenção, dedicação e perseverança.

Vento Norte: Quais são os cuidados que você recomenda para os pilotos que realizam Acro ou o SIV?

Mauricio: Os cuidados estão na busca da informação. Tentar aprender através de uma didática e seguir um plano de desenvolvimento que vai dar resultado. O controle do parapente é uma arte e tem seus segredos. Nem todos conhecem ou sabem passar os pontos chaves. Buscar um profissional bom e praticar em um ambiente que possibilite controlar parte dos riscos. Voar com pessoas que podem maximizar a segurança e não somente um minuto de adrenalina. Muitas vezes um toque pode ser uma informação ruim, pois falta o conhecimento de uma base de aprendizado que ficou perdido atrás.

Vento Norte: O que o voo livre significa em sua vida?

Mauricio: Dizem que evoluímos a cada dia, que aprendemos algo diferente ou vivenciamos algo novo. O voo livre na minha vida é isso, a descoberta e a evolução o tempo todo. Agradeço todos os dias por poder voar e fazer parte desta evolução constante.

Vento Norte: Gatinho, muitíssimo obrigada pela entrevista e por podermos contar com você na grande família Vento Norte! Toda vez presta um atendimento magnífico para nossos alunos e pilotos. Somos extremamente gratos por seu apoio, amizade e conhecimento!

Bons, longos e seguros voos!