… Por sobre mim e os meus pequenos problemas lá estava o céu. Diminuí os passos sobre a areia e, por fim, parei e olhei para o espaço.

De além-horizonte norte a além-horizonte sul, de além-terra a além-mar, reinava calmo e sereno, o céu. E reparei em algo que nunca observara antes. Que o céu está sempre em movimento, mas nunca some. Que acontece o que acontecer, o céu está sempre conosco. Que o céu não pode ser afetado. Meus problemas para o céu não existiam, nunca tinha existido, nunca existiriam.

Que o céu não interpreta mal. Que o céu não julga. Que o céu, muito simplesmente, existe. Existe, quer desejamos aceitar essa fato ou enterrar-nos debaixo de mil quilômetros de terra ou mais fundo ainda, sob o teto impenetrável da rotina.

Aconteceu um ano mais tarde, eu estar por qualquer motivo em Nova York, com tudo correndo mal, com apenas vinte e seis cents no bolso, com uma fome louca e com vontade de estar muito longe daquelas ruas de prisão de Manhattan, com suas janelas gradeadas e suas portas trancadas a sete chaves. Mas aconteceu que olhei para cima, coisa que ninguém faz em Manhattan, e de novo, como no ano passado, junto ao mar – só que agora por sobre os canyons de Madison Avenue – lá estava o céu. Sereno. Igual. Cálido e acolhedor como um lar.

Que é que você diz a isso? Pensei. Por mais enrolada, complicada ou mal-sucedida que seja a vida de um piloto, ele sempre tem a sua espera um lar.

Sempre o espera a alegria de voltar a voar, de olhar para as nuvens e gritar: Voltei !

– Ora, desça das nuvens, bote os pés no chão! – dizem as pessoas.

Mas, em ocasiões tão diversas quanto naquela praia deserta ou numa rua super movimentada de Manhattan, eu fui transportado do mais negro desespero para a liberdade. Da irritação, da raiva e do medo para a constatação:

– Ora o que me importa? Eu sou feliz só para olhar para o céu.

Esse tipo de coisa talvez aconteça porque os pilotos, digam o que disserem, só se sentem felizes quando estão em casa, e só se sentem em casa quando, de uma maneira ou outra, podem tocar o céu.

Richard Bach

Qual piloto não concordaria com Richard Bach?

Richard Bach : (Oak Park, Illinois, 23 de junho de 1936) é um escritor de nacionalidade norte-americana. A principal ocupação de Bach foi como piloto reserva da Força Aérea e praticamente todos os seus livros envolvem o voo de certa maneira, desde suas primeiras histórias sobre voar em aeronaves até suas últimas onde o voo é uma complexa metáfora filosófica. Bach alcançou enorme sucesso com o livro Fernão Capelo Gaivota, sucesso este não igualado por seus livros posteriores; entretanto, seu trabalho continua popular entre os leitores.

CURIOSIDADE: O livro Fernão Capelo Gaivota trata-se de uma gaivota que aspirava realizar manobras ousadas de voo, a história inspirou a música do Blindagem – Gaivota. Como sabemos? Porque um dos autores da letra nos contou (Paulinho Juke! Abraços saudosos em ti) e nós não aguentamos guardar a informação só com a gente. Confere a lindeza da composição.

Sou gaivota por sobre o mar

Meu voo é volta de qualquer lugar

Desapareço no tempo e no ar

Antes que um olho consiga piscar

Num voo razante o que eu vi

Não dá para acreditar

Minhas penas tremendo

Faço parte do vento

Vou me embora correndo

Se acalme…

Uma vez provado o voo no homem ele estará condenado a vagar pela terra olhando para o céu, pois lá estiveste e para lá queres voltar. Leonardo Da Vinci