“Tudo o que a gente quer é agarrar em alguma coisa para sair de uma vida atolada. Um novo amor. Um novo projeto. Uma viagem. Religião. Astrologia. Terapia. Curso tântrico. Uma corda. Qualquer corda.” 

Martha Medeiros

Me deparei com essa frase enquanto pesquisava as críticas de um livro que estou finalizando, Walden, de Thoreau. A frase poderia estar em alguma página do livro sem sequer se perceber que as 338 páginas foram redigidas no ano de 1854 e a afirmação no ano de 2017. (evidentemente sem considerar a peculiaridade da escrita)
O sentimento de querer mudar o rumo da vida e viver plenamente é presente em todos os tempos, é vitalício, assim como o apreço do homem pela natureza como resgate da qualidade de vida.
O livro que mencionei é uma autobiografia de um escritor estadunidense, naturalista, filósofo e transcendentalista, e que insatisfeito com o modo de vida instaurado pela Revolução Industrial resolve viver por dois anos e alguns meses nos bosques das margens do lago Walden,  em Concord, Massachusetts, nos EUA.
No livro do Leandro Karnal, O Dilema do Porco Espinho, Karnal utiliza algumas vezes Thoreau como exemplo de uma solidão positiva, do qual chama de solitude.
“Thoreau foi um entusiasta radical da natureza. Por necessidade absoluta de liberdade, independência social e descoberta espiritual. O isolamento lhe trouxe conhecimento da natureza ao redor, bem como de sua própria natureza.” Leandro Karnal
(Convenhamos que várias pessoas durante a pandemia conseguiram fazer quase o mesmo que o Thoreau, e alguns felizardos conseguiram migrar completamente para o campo).

Henry Thoreau escreveu na ocasião:
“Tornei-me vizinho dos pássaros, não por ter aprisionado um, mas por ter me engaiolado perto deles”.
Manoel Barros recebeu a sua influência e replicou: “Quando meus olhos estão sujos da civilização, cresce por dentro deles um desejo de árvores e pássaros”. Inclusive já usei essa frase aqui no blog para incentivar as pessoas a irem com suas famílias passearem no campo. Não há nada melhor para o espírito que caminhar na natureza.
A caminhada de que falo não tem nada a ver com o exercício ou fortalecimento do corpo; ela é a própria aventura. – Henry Thoreau
Terei que fazer uma breve apresentação de Thoreau, pois sua importância na sociedade crítica é enorme. (Se quiser pular esse trecho, pule, mas aconselho que se desafie a conhecer). Ele influenciou profundamente o pensamento político e ações de personalidades notáveis como Tolstói, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Emma Goldman, Marcel Proust, Ernest Hemingway e tantos outros com o seu livro Desobediência Civil, além das influências por outros livros, incluso o Walden, para os movimentos ambientalistas atuais. “Henry se transformou em um dos principais inspiradores filosóficos da preservação ecológica. Para ele, uma civilização é rica não pela expansão do consumo supérfluo, mas pela quantidade de áreas naturais e selvagens preservadas, defendendo a ecologia florestal e encorajando a comunidade agrícola a plantar árvores.” (extraído do site do Projeto Colabora). Influenciou diretamente o minimalismo, “que prega um estilo de vida no qual os indivíduos conscientemente escolhem minimizar a preocupação com o “quanto mais melhor”, em termos de riqueza e consumo. E tantos outros movimentos alternativos como Downshifting – redução de velocidade, intensidade ou nível de atividade (trabalhar menos e viver mais, em outras palavras) – e o Slow Food – direito ao prazer da alimentação, utilizando produtos artesanais de qualidade especial, produzidos de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto as pessoas responsáveis pela produção e os consumidores” (extraído do site Projeto Colabora). O movimento hippie (que foi bastante distorcido daquilo que propôs) tem grande influência do Thoreau.  “Os hippies buscavam praticar a não-violência em todas as relações e constituíram um movimento pelos direitos civis, de combate às injustiças e de defesa da natureza, nos moldes da luta de Gandhi e Martin Luther King, ou seja, inspirados na ideia de “desobediência civil” e na defesa dos direitos da natureza do livro Walden” (extraído do site Projeto Colabora). Aqui eu preciso fazer um comentário, a festa que os hippies fizeram nas margens do lago Walden não é o que Thoreau propôs em momento algum, e toneladas e toneladas de lixo foram retiradas com escavadeira para fazer a limpeza do lago após “a gazarra”, além das autoridades intervirem para preservar a natureza por ali. Por fim, Thoreau era um defensor da alimentação vegana por praticidade para o seu modo de vida quase autossustentável (autossuficiente).
Walden, foi o livro que influenciou o jovem Christopher MacCandless, que inspirou o filme Na Natureza Selvagem, filme de alto impacto em alguns jovens. Crhistopher queria romper com o mundo, doou todo o seu dinheiro para a caridade, largou tudo e saiu em busca de uma existência mais pura, como a de Thoreau, porém com algumas diferenças essenciais da vida humana. Embora Thoreau tinha em alta estima a sua solitude (solidão criativa, contemplativa e produtiva), sempre teve bons amigos visitando-os, também ia para a cidade de tempos em tempos, assim como possuía alimentos, tanto cultivados, quanto comprados da vizinhança. Mínimo esse último, mas havia. Um planejamento sábio. Enquanto o jovem Christopher escolheu um local inapropriado para a sua solitude, o Alasca, onde morou dentro de um ônibus abandonado e onde veio a falecer. A causa é incerta, alguns acreditam que foi por inanição, e outros por envenenamento após confundir uma pequena fruta venenosa com outra comestível (conforme descrito em Into The Wild, Krakauer). No filme, o grand finale importante da mensagem, é que o jovem aprendeu a redimensionar o papel dos pais e dos amigos em sua existência, e falece com os olhos marejados. Ainda assim, como escrevi, a história do Chris influenciou outros jovens que foram inclusive, viver dentro do mesmo ônibus que Chris, e pelo menos 4 pessoas morreram repetindo seus passos. O ônibus havia virado um santuário para a solidão de alguns jovens, e no ano de 2021 as autoridades tiraram o ônibus do local a fim de evitar essas trapalhadas e mortais aventuras. Sem sombra de dúvidas Thoreau diria, sentem aqui jovens, e vamos planejar o rolê do jeito certo. Brincadeiras a parte, mas seria mais ou menos isso.
Na década de 80 Thoreau e outros escritores, músicos e alguns filmes (Na Natureza Selvagem, O Rebelde no Campo de Centeio) foram intitulados como Outsiders, embora muitos tenham considerado a palavra infantil e detestado o uso do termo para a originalidade, responsabilidade, discernimento de algumas personalidades misturadas com personalidades duvidosas, loucas e autodestrutivas que entrariam mais para a psicanálise do que qualquer outro fato, com o passar do tempo o termo foi abandonado por essas razões. Quiçá, nem imaginamos a vastidão do termo e usamos tanto para os esportes radicais! Mas, cá entre nós, de instrutor e de louco todo mundo tem um pouco.
Eu poderia arriscar, no caso do autor que estou lendo e não da galera toda dos outsiders (até porque ainda não li, não vi e nem ouvi todos), que ele seria um grande incentivador dos esportes outdoors, desde que com responsabilidade e consciência ambiental e principalmente se essa for a frequência e ritmo ditado pelo coração.
Se um homem marcha com um passo diferente do dos seus companheiros, é porque ouve outro tambor. Henry Thoreau
Mas afinal de contas o que é o espírito outsiders do autor que estou lendo?
É uma percepção de que a vida é muito mais sublime do que se supõem. Que todo homem pode fazer da própria vida uma existência esplêndida, mesmo com as ambiguidades desse imenso poder e seus imensos vacilos, tropeços e erros. Um mergulho na alma, uma liberdade, um embarque pelas entranhas do ser, uma viagem alucinante pelo sentir. Um levante contra a sociedade que diz que a felicidade está nas posses, nas aquisições, bens e conquistas materiais. Contra os absolutos, que não caminha no ritmo dos tambores de um sistema capitalista padronizado, pois considera essa frequência desnatural, sem intensidade, superficial, desnecessária, uma anestesia da vida, sem essência e sem alma. (Consideração: Thoreau vivia em um tempo em que a jornada de trabalho aproximava-se de 17 horas, sem descanso e sem férias, e escravagista).
Ele escreve que o essencial para nossa existência é simples, e está disponível para todos. Tudo que é simples é prazeroso. O cheiro da terra molhada, do mato, a rede na sombra, a garoa no vidro, a tempestade e a vela, o cume de uma montanha, a risada alta durante a caminhada, o vento sacudindo folhas, o cheiro do pão caseiro preenchendo o lar, o olhar para o simples, a alma na calma. A vida acontecendo nos detalhes. Rubem Alves tem várias crônicas sobre essas insignificâncias, que a vida é feita de um montão de pequenas insignificâncias, que ele chama de milagres, ou como um amigo diz, o dom de perceber as pequenas alegrias do cotidiano. Algumas das crônicas do Rubem Alves nesse sentido estão reunidas no livro “Ostra Feliz Não faz Pérolas”, e também tem outro artigo que acabei topando com ele e trouxe para o blog, “pássaros criados em gaiolas acham que voar é uma doença”.
Mas voltemos ao Thoreau. Ele gostaria que nada fosse realizado com pressa, e que a pressa nas cidades nos fazia muito mal.
Não basta ser ocupado. A pergunta é: estamos ocupados com o quê? – Henry Thoreau
Foi essa motivação que o levou a morar no bosque por dois anos e alguns meses, na tentativa de comprovar na prática que era possível viver com menos, de forma mais autossustentável possível.
“Fui para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que ela tinha a ensinar, em vez de, vindo a morrer, descobrir que não tinha vivido.” – Thoreau
Não estamos em 1857, mas essa inquietude e insatisfação com o modo de vida que estamos levando é mais que atual, engoliu quase todos nós em ansiedade, desesperança, medo, tristeza pelas perdas, notícias desmotivadoras e inacreditáveis, especialmente desde que viramos o calendário de 2019 para 2020. Sufocamos em horas e horas de trabalho para tentar garantir o ganha pão com a inflação subindo a passos largos e devorando a suada renda mensal.
O custo de alguma coisa é a quantidade do que chamamos de vida que é preciso dar em troca, à vista ou a prazo. – Henry Thoreau
Foi oportuno rever o legado de Thoreau. O trabalhar para ter coisas apenas contribuí para atolar ainda mais o homem na areia movediça enquanto a alma grita pela tal corda que Martha Medeiros escreveu lá no começo desse artigo.
Sabe como é que foi, seu moço, eu conto: vinha fugindo da minha verdadeira identidade, sem coragem para ser uma pessoa mais original e livre, assustada por achar que não daria conta de viver fora dos padrões, e então corri, corri tanto que, quando vi, tchibum, caí nessa rotina movediça desgraçada, e o meu sonho de ser eu mesma, que seria facilmente alcançável com duas braçadas, ficou longe demais da minha realização. Estou imobilizada pela força sugadora das minhas escolhas covardes.
Particularmente não acho que ela seja covarde, porque né? Quem acha que essa vida é moleza, desceu no planeta errado, e viver no Brasil definitivamente não é para amadores.
Benditos os que nunca leem jornais. – Henry Thoreau
Mas lembremos sempre que ser otimista é um ato revolucionário, encontrar motivação para seguir em frente nem sempre é tão simples, a motivação tira férias mesmo, vai passear bem longe de nós levando na mala até mesmo a força de vontade.
Seja o Colombo de novos continentes e mundos inteiros dentro de si mesmo, abrindo novos canais, não de comércio, mas de pensamento. – Thoreau
Lembremos que todos os dias temos o convite ao singelo, ao puro e ao simples. As miudezas do cotidiano. O convite que mesmo em meio ao caos, adotemos uma visão mais otimista da nossa própria existência, e sem se criticar, mas sim para curtir o hoje com alma na calma. Obviamente, como pontuou Leandro Karnal no livro que retrata algumas passagens da existência de Thoreau, a cabana em Walden não é sempre acessível à todos, nem mesmo o estupendo despojamento que ele possuiu em vida,  assim como a primeira classe (pessoas com grana que conseguem se recolher com grande conforto a solitude), mas que podemos buscar tranquilamente essa relação com a vida em um livro, em um café com nossos familiares, um período sem acesso ao burburinho do mundo virtual e real, para descobrirmos nós mesmos e aquilo que queremos.
Quer andemos depressa ou devagar, o caminho esta aberto. – Thoreau
O convite outsider (no bom sentido, com responsabilidade pela vida e pela natureza) de se permitir observar a vastidão do céu e ouvir o coração vibrar quando levantar o seu voo a medida que descobre novas formas de viver. É a vida em eterno movimento! Tente, sem vontade ou com vontade, agarre a corda, a boia, a dança, o parapente, nós sabemos que muitas vezes não é faca e o queijo que precisamos, mas sim da fome. Tenha a fome.
Os únicos seres felizes do mundo são os que gozam livremente de um vasto horizonte. – Thoreau
Todos temos horizontes. Está em seu poder querer voar. Esvaziemos as mochilas, as bolsas, a casa e a mente. Não precisamos disso tudo. Quanto mais leve, mais livre é o voo. Quanto mais temos, mais escravos, pobres e presos ficamos, e mais cedo iremos sufocar com todo esse peso em nossas costas, sem falar no peso e bombardeios de tantas informações inúteis que nos chegam minuto à minuto pelas redes sociais, e que nos tomam tempo. Simplifiquemos, sem mistificações. Redimensionemos nossa vida, nosso tempo, o bem mais precioso que realmente possuímos. A vida não dá talento e nem faz graça, ela é difícil mesmo, talvez a nossa missão seja deixá-la mais leve, mais transcendental e isso vale a pena, talvez seja só isso que verdadeiramente importa no fim das contas.
Fazer todos os dias um bom dia, essa é a mais elevada das artes. – Thoreau
Precisamos do essencial, do silêncio, da arte, do amor, de bons amigos, familiares amados, da ousadia e da coragem para levantarmos nosso voo. Seria como um “Ra,ra, ra, ra, ra, mas eu estou rindo à toa, não que a vida seja assim tão boa, mas um voo ajuda a melhorar…”
Isso é fato!
Outras frases H.D.Thoreau
Lançou-se a tais altitudes e eventuais platitudes, disposto não apenas a ver o mundo de cima, mas a experimentar um universo, habituara-se a flutuar em céu azul, como se fosse parte da paisagem que tanto amou.
Vida nas cidades; milhões de seres humanos vivendo na solidão.
Se uma planta não consegue viver de acordo com sua natureza, ela morre, assim também um homem.
Só há um remédio para o amor, amar mais.
A bondade é o único investimento que nunca vai a falência.
Velho é aquele que perdeu o entusiasmo.
Nada é tão útil ao homem como a resolução de não ter pressa.
Siga confiante na direção dos seus sonhos. Viva a vida que imaginar.
Caminhar sem rumo é uma grande arte.
Para aqueles que curtem documentários, segue um longa sobre o livro Lago Walden e seu autor:

Caio Fernando Abreu

Depois de todas as tempestades e naufrágios o que fica de mim e em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro.

Charles Bukowski,

Você tem de morrer algumas vezes antes que você possa realmente viver.

Roberto Freire

Vamos brincar de imaginar um mundo diferente?
As pessoas deixam de ser coisas e passam a ser gente!

Janes Joplin

É melhor viver dez anos de uma vida efervescente do que morrer aos setenta e ter passado a vida assistindo Tv.

David Foster Wallace,

A verdade liberta, mas só depois de acabar com você.

Kurt Cobain

Não temos o direito de expressar uma opinião até que saibamos todas as respostas.

Entre tantos outros como Luciano Alabarse e poetas como Cacaso, Ledusha, Chacal, Leminsky, Alice Ruiz e Ana Cristina Cesar, HendrixLou Andreas-SalomeGinsberg, Lenon.  Filmes como Natureza Selvagem e Apanhador no Campo de Centeio, de Salinger, Philip L. Dick e Willian Reic.

Para os alunos e pilotos Vento Norte: Disponível para empréstimo: Livro Walden – H.D.Thoreau, Ostra Feliz Não Faz Pérola – Rubem Alves; Humanidade – Uma visão mais otimista do homem.

Nicolle Muraro