Uma pergunta simples, respostas complicadas. Andar a pé é uma imposição para seres terrestres, andar é ato compulsório.

Para a imensa maioria da humanidade (incluindo nossas mães) voar é coisa para os pássaros. Escolhemos voar ou não. (se fosse assim galinha voava, não é mesmo?)

Bilhões de pessoas tem medo. Bilhões de pessoas jamais olham o céu durante as suas vidas. Bilhões de pessoas não sabem o que é um pôr do sol. Bilhões de pessoas não sabem o que é brincar em cima das nuvens.

Hoje, bilhões de pessoas estão indo para as suas camas sem ter ideia e sem dar a mínima importância ao fato de que jamais voarão durante o resto das suas vidas.

Dizem eu tenho medo. Bilhões de pessoas repetem isto todos os dias para justificarem o sutil defeito que todos nós temos de não termos asas. Porém, bilhões de pessoas não tem medo de guerrear, falar mal dos outros, caluniar, praticar abortos, roubar, mentir, expor perigosamente o próprio corpo num carro em alta velocidade, matar, maltratar a família, abandonar os que estão sob sua proteção, fazer da sua vida uma tortura as pessoas que o rodeiam. São muito corajosos em terra, tem a suprema coragem de se arrastar na podridão da miséria humana, mas não ousam levantar os olhos para o céu.

Do que mesmo estas bilhões de pessoas tem medo?

Eu sei. 99,9999% da humanidade tem medo porque teme a leveza, teme a inconsistência do ar, teme o desapego, a amplidão, o estado de inocência das grandes altitudes.

Teme as visões infinitas proporcionadas pela linha do horizonte, teme o longe, as chuvas distantes, as terras esquecidas, teme os anjos que habitam as alturas.Teme-se o puro estado da alma em que nos lembramos com carinho até dos nossos desafetos. Teme-se a esmagadora amplidão que nos abraça como a insetos.

Diante desta esmagadora maioria, diante da humanidade estarrecida e da minha mãe declaro que gosto de voar. Gosto de estar lá em cima. Gosto de surfar nas nuvens. Gosto de encher meus olhos de azul. Gosto de dourar a minha barba com os últimos raios de sol poente.

Sei que meu gosto não é muito popular no planeta. Eles me acham louco. Mas que me importa se os pássaros me adoram?

Aqui no chão tenho que me defrontar com as bilhões de pessoas, dar explicações, tenho que me fazer de sério sem convencer, tenho que fingir que me interesso por assuntos sem nunca ter obtido sucesso.

É que eu tenho um defeito: Não tenho asas e adoro voar.

Eu poderia ser um infeliz por ser mutilado. Mas não sou. Isto porque eu dedico piamente as minhas horas terrestres na paciente espera. Realizo os trabalhos e me sacrifico nas rotinas para que um dia, por alguns minutos ou horas, eu possa estar no ar. Então é a glória. Nestes pequenos instantes de flutuação a minha vida tem sentido e justifica todas as angústias passadas na dura terra. Estes instantes, são como pingos de ouro brilhando intensamente, espalham luz sobre o meu presente e meu futuro.

Quando coloco novamente meus pés no chão, se alguém viesse com uma balança e medisse meu peso, veria surpreso o limite da leveza. É como se trouxesse um pouco daquilo que experimentei, uma emoção que poderia facilmente contar na língua musical dos Anjos, mas que se perde inexoravelmente na dos homens.

Quando eu me for para outros campos, tenho certeza que levarei poucas coisas e uma delas será a incrível vontade de voar.

Autoria do texto: Isaias Malta