Voar é um milagre. Que o digam os dois terços dos seres vivos aos quais a vontade divina concedeu tão abençoada graça.

Por isso, considero todos eles os grandes rebentos dos céus.

Quando vejo um urubu a planar numa boa térmica, penso, no mais doce dos dos enlevos: lá vai um predestinado de Deus!

Confesso que a todos sem exceção, rendo minhas reverências.

Não discrimino nem mesmo o mosquito. Sei muito bem que se trata de um bichinho sem grandeza, mas confesso se eu tivesse que escolher entre duas sinas, eu preferiria ser um mosquitinho à toa, a ser, por exemplo, um sapo. Um mal ou bem, é a brisa; o outro é o brejo.

Ignoro os motivos que levaram o Senhor a negar ao homem o privilégio de voar. Lastimo, mas não chegaria, jamais, ao pecado da blasfêmia. Afinal, se Deus não nos dotou de asas para voar, deu-nos, ao menos, o privilégio de sonhar. E foi a salvação.

Nas asas da imaginação o homem teimou, teimou até que, enfim, desgrudou-se desse vale de lágrimas e, hoje, aí está em pleno ar, convivendo com as nuvens, desfrutando a intimidade dos pássaros, confidente dos ventos.

Há quem veja no aviador um ser heroico. Pois eu os vos digo do alto do meu ultraleve: nem heroico, nem épico. O homem que voa é, sobretudo, um ser utópico. Digo mesmo: é um ser místico. Pois é voando que o homem sente o tamanho de Deus. Norte, Sul, Leste, Oeste! Seja qual for o rumo de seu devaneio, o homem estará sempre a invocar as bênçãos divinas. Bênçãos que levaram-me a inscrever, na capelinha de Nossa Senhora do Loreto, no Clube Céu, este pequeno Evangelho dos Aviadores:

Pelos anjos-da-guarda, que nos rodeiam, celestiais;
Pelo milagre do sol, que ilumina nossos caminhos;
Pela rosa-dos-ventos, estrela-guia que norteia nossos rumos;
Pelas nuvens, que das alturas no contemplam, poéticas;
Pelos pássaros, que nos ensinam a voar;
Pelo horizonte, escala infinita de nossos devaneios;
Pelos aviões de nossa frota, que nos conduzem fraternais;
Dai-nos, Nossa Senhora de Loreto, a proteção do vosso santificado manto;
E velai por nós, aviadores, assim na Terra como no Céu.

 

Texto de Armando Nogueira